Subindo o rio Amazonas, aprendi a ouvir
Esse texto
não é sobre São Paulo, mas poderia ser.
No final de 2016 fiz uma viagem que há
muito tempo queria, mas sempre era desencorajada. Por ex-namorado, às vezes
amigos e até meu pai (zeloso em demasia). Minha mãe, não. Ela sempre é a favor
da máxima “Vai. Se der medo, vai com medo mesmo...” Haha, muita coragem para
uma mulher de 1,55mt. E eu fui. Subi o rio Amazonas de barco, contra a
corrente, por 740km.
Sempre acreditei que pudesse ser uma das melhores experiências da vida de qualquer pessoa.
Neste tipo
de navegação, você pode optar por cabines com ar condicionado ou redes ao longo
do barco. Não tive dúvidas, usei a rede que havia ganho das amigas que fiz em
Santarém e fui-me embora. Bom, a priori foi aquela beleza: era a única turista na embarcação, "sotaque do Sul",
quase cai da rede três vezes, não levei cobertor (à noite faz máxima de nove graus) e, claro, tirava fotos a cada cinco minutos. Foi bem fácil ser
reconhecida.
A brisa fresca que as águas sopram, o cheiro da mata virgem, a paisagem inóspita, o pôr do sol (meu Deus, o que é aquilo?) e até os mosquitos foram um convite para alguém como eu, forasteira, puxar assunto com os vizinhos “amarrados” ao lado, que já me olhavam com um sorriso no canto da boca, como quem já espera interação.
A brisa fresca que as águas sopram, o cheiro da mata virgem, a paisagem inóspita, o pôr do sol (meu Deus, o que é aquilo?) e até os mosquitos foram um convite para alguém como eu, forasteira, puxar assunto com os vizinhos “amarrados” ao lado, que já me olhavam com um sorriso no canto da boca, como quem já espera interação.
Os nortistas
não são grandes falastrões, trocamos meia dúzia de palavras, mas, para minha
sorte, Neti estava ao meu lado. Percebendo meu olhar, que era um misto de
curiosidade e medo, emendou logo uma conversa. Uma das mais ricas que já tive
na vida. Natural de Manaus, nunca conheceu o pai, e a mãe morreu jovem pela
malária. Sempre morou pelas bandas do interior do Pará com o, então, marido. Às
margens do Amazonas, teve o primeiro filho aos 14 anos, viveu sem rede
elétrica, teve pouco contato com a civilização e se alimentava de peixes e o
que plantava no quintal. Já cansada do amor pela bebida, daquele que deveria amá-la, foi
embora para a capital do Amazonas levando seus rebentos.
Estava no barco pois fora visitar as irmãs, com quem retomou contato 26 anos depois, pelo Facebook. Uma mulher de fibra. Enquanto me contava tudo com muitos detalhes, Neti abria um meio sorriso e tentava sempre me enfiar uma fruta goela abaixo. “Tome, coma mais essa. Eu trouxe muitas, não vai faltar”. E eu comia...
Estava no barco pois fora visitar as irmãs, com quem retomou contato 26 anos depois, pelo Facebook. Uma mulher de fibra. Enquanto me contava tudo com muitos detalhes, Neti abria um meio sorriso e tentava sempre me enfiar uma fruta goela abaixo. “Tome, coma mais essa. Eu trouxe muitas, não vai faltar”. E eu comia...
A viagem
durou 50 horas, oito a mais do que o normal. Durante esse tempo, fomos amigas,
irmãs, conselheiras. Mais do que muitas amizades que tentamos fazer em meio a
agitação que é São Paulo. Dentre as fotos que tiramos, essa foi a de que mais
gostou e, com seu meio sorriso, disse “Está bonita, pareço feliz nela...". Neti levou um pouco de mim e deixou
muito dela, e me deu a certeza de que sempre vale a pena “abrir a cabeça” para receber
o novo e usar o livre arbítrio para manter o que e quem vale ficar. Existem muitas "Netis" por aí, nos metrôs, ônibus e esquinas, basta a gente se abrir para percebê-las. #ficaadica
Esse texto
não é sobre São Paulo, mas quem sabe um dia não possa ser?
Neti, o Amazonas e eu |
Bom ver histórias de pessoas de fibra que não deixam as amarguras da vida as vencer
ResponderExcluirBelo texto. Bela percepção do que realmente importa na vida. Siga assim.
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