Amar e mudar as coisas me interessam mais


- Cinco anos! Ela tinha só cinco anos!! 

- Você sabe que não é assim, não adianta entrarmos nessa discussão de novo, até porqu…

- CINCO ANOS, PORRA! Que lógica é essa? Tem que ter alguma, não é possível. 

- Bom, aí depend…

- De quê?? Tem que ter um critério! As pessoas não podem morrer do nada tão jovens. Aqueles pais ainda estão lembrando dos fogos de artifício do ano novo, do aniversário de quatro anos, da boneca que ganhou de Natal! Tavam planejando a volta às aulas! Os amiguinhos...

- Como eu ia dizendo, depende. 

- Do quê?

- Do que você acredita. Ela pode ter cumprido sua missão neste plano, ter virado estrelinha, anjinho, ter tido um karma ou só ter a saúde debilitada repentinamente. 

- Não sei se acredito em alguma coisa dessas… Difícil. 

- Lembra do Oswaldo?

- O do 73, que viveu até 96?

- Ele! Noventa e seis anos, imagina? Quanto argumentos eu teria que ter para te convencer que era a hora? Pior, para convencer a família de que era? O bichinho quase se afogou aos 10 anos, caiu do telhado aos 23, aos 47 o primeiro infarto. Mudou de vida, ficou saudável, infartou de novo aos 60. Aí veio o fígado. Achou que não duraria nem mais dois anos. Até os 96… 

- Cinco anos… o que ela viveu? O que aprendeu? Não deu tempo de nada! NADA! 

- Oswaldo, depois do afogamento, aprendeu a nadar. Aos 23, resolveu prestar bastante atenção por onde andava e, com a ajuda da Dona Margarete, decidiu que era hora de usar óculos. Ainda bem! Bom, aos 47 juntou a família para construírem uma hortinha nos fundos de casa. Queria comer melhor após tantos percalços com a saúde. Com isso, a cada enxadada e buraco aberto na terra, a família se uniu novamente depois de anos de conflitos. Aos 60, decidiu que era hora de viajar com todos e retomar seu gosto pela escrita. Quando completou 80, autografou seu terceiro livro ao lado das crianças residentes na instituição de caridade que tomava conta. Morreu aos 96 querendo ter feito mais. Era teimoso. Quando sussurrou pela última vez, disse que "até estava feliz", mas queria ter podido amar mais. Além de ter visto o time campeão mundial. Essa última parte foi triste, mesmo, haha Mas, enfim…

- Rs… ele era desses. Mas teve tempo para tudo isso, não é mesmo? Mas e ela? A gente sempre vai ficar pensando como seria com 15 anos, o que teria feito com 20, quantos filhos teria? É foda… Não dá para não pensar. A gente não tá preparado para esse tipo de morte, porra, não tá.

- Ela, quando fez um ano, segurou as mãos do avós e os juntou num grande abraço, depois de quase uma década brigados. Aos 3, andando pela rua, parou, se agachou e com as mãozinhas delicadas acariciou os cabelos do Zé, aquele morador de rua que tem um cachorro caramelo. Ninguém sabe, mas o Zé desistiu do suicídio naquele dia. Quando ela fez 5 anos, engasgou com um pedaço de frango lembra-se? Depois disso, não há uma noite em que todos em sua casa não digam "eu te amo" antes de dormir. 
A verdade é que, na vida, há muito mais do que apenas fatos memoráveis. E que, independentemente do tempo, todos vocês realizam feitos todo os dias! A diferença se faz  nos detalhes; no bom dia que dão ou não. Ela pode não ter realizado grandes feitos para a humanidade, mas fez muito por seus amados.

- Acho que entendi… A vida é um sopro e bla,bla,bla…

- E o que importa é amar e assoprar na direção certa, bla,bla,bla. Isso, mesmo. Continue como sempre. Bom, vou indo porque essa baixinha aí está me esperando curiosa. Até mais!

- Até bem mais! Que você demore muito para voltar! Amém!! 

- Hahaha, amar e assoprar na direção certa pra quando me vir pela última vez, estar ao menos em paz!      



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